Actina: – Dizem que as pessoas estão fartas de ser enganadas com suplementos milagrosos, equipamentos “especiais” e “receitas” de treino.
O que se passa com os profissionais do fitness?
Miosina: – Assistimos nos últimos dez anos a uma crescente desvalorização dos profissionais do fitness. Os valores pagos por hora de trabalho mantiveram-se nos últimos vinte anos, embora as qualificações, as certificações apresentadas por esses profissionais tenham aumentado. Há mais ações de formação, mais fácil acesso a informação, melhores ferramentas de trabalho e melhores instalações, mas os resultados produzidos… Nem sempre têm sido os melhores.
A grande maioria dos ginásios investe fortemente em imagem, em instalações, em equipamentos, mas raramente fazem uma formação inicial para a equipa de professores, recepcionistas, comerciais, pessoal de limpeza e manutenção. Há demasiados ginásios cujos profissionais nunca se reuniram e em muitos casos nem sequer se juntaram em torno de uma mesa para um bom repasto de boa comida portuguesa.
Actina: – Não formam equipas de trabalho, não selecionam o pessoal de forma coerente com o tipo de serviços que pretendem oferecer. Será que os ginásios sabem realmente o que querem? O que querem vender? Para quem querem vender? Será que conhecem as necessidades da população?
Das minhas poucas experiencias nos ginásios posso dizer que em alguns casos frequentei locais bonitos com boas máquinas e boas piscinas, mas no último ginásio que frequentei, em 3 meses de frequência, nunca um professor falou comigo a não ser na primeira sessão.
Miosina: – Infelizmente é algo habitual, vermos aquilo que chamo de guardas de máquinas, contadores de repetições e fomentadores de intimidades a proliferarem pela indústria do fitness como se estivéssemos nos anos 80. De facto, voltamos a ter salas de musculação cheias de clientes abandonados.
Actina: – As pessoas contratam um treinador, um coach ou necessitam de um professor por falta de autodisciplina, pela necessidade de um método de treino eficaz, pela falta de um mecanismo de controlo para obterem resultados…
Miosina: – Pois, na maioria dos casos continuam a pagar por um serviço, um ato humano que deveria ajudar no sentido de criar soluções para os seus problemas de falta de regularidade no exercício, falta de intensidade e falta de motivação para conseguirem um progresso consistente. Em vez disso trazem mais problemas quando voltam do ginásio: a necessidade de adquirir suplementos alimentares, a exigência de efetuarem 5 ou 6 horas de exercício semanais para atingirem os seus objetivos, a necessidade de adquirirem roupa especial, ou de contratarem um personal trainer. Ou seja, em vez de soluções, trazem mais problemas. O exercício físico pode mudar a vida de uma pessoa, mas necessita ser regular, intenso e adequado ao indivíduo.
Actina: – Para isso não bastam máquinas de última geração com programas pré-definidos e televisores com internet e múltiplas escolhas musicais.
Miosina: – Reconheço a preocupação de quem gere, de quem faz contas e procura diminuir o número de profissionais a trabalhar nos seus ginásios para reduzir os custos ao máximo.
Chegamos a um ponto em que os ginásios voltaram a ser low-cost, mas com tão elevados custos fixos para pagar instalações luxuosas, máquinas cardiovasculares que ocupam mais espaço do que os resultados que produzem, custos de manutenção de piscinas vazias que por muito que se encham de alunos, nem o aquecimento da água conseguem pagar.
Com esses custos tão elevados, corta-se no essencial: as pessoas para trabalharem com as outras pessoas que deixam o seu dinheiro em troco de soluções para problemas.
Actina: – Talvez se esqueçam que os serviços que vendem são, no fundo, atos humanos, são as aulas, as sessões de personal training, as massagens. Ainda por cima, o momento de produção e de consumo desses serviços são simultâneos. Isso tem grandes implicações ao nível da satisfação ou insatisfação dos clientes.
Miosina: – Logo, quanto piores os seres humanos que produzem esses atos, piores as soluções para os clientes, mais fracos os resultados, mais elevado o abandono e consequente falta de liquidez e cashflow dos ginásios.
Actina: – Já reparei na minha cidade que a maioria dos ginásios têm um tempo médio de vida de 5 ou 6 anos antes de encerrarem definitivamente.
Miosina: – Podes acrescentar… Ginásios portugueses. Não é só na tua cidade… Mas por incrível que pareça, os novos ginásios continuam a ter instalações cada vez melhores e profissionais cada vez mais básicos na sua experiencia e formação porque…
Actina: – Porque são os mais baratos.
Miosina: – Por incrível que pareça, continuam a investir em aulas pré-coreografadas como se fosse a solução para a falta de formação dos profissionais.
Actina: – Ou será que a formação desses profissionais é mais fácil e rápida?
Miosina: – Talvez os operadores da maioria dos ginásios pequenos e médios ainda não se tenham apercebido que as aulas pré-coreografadas surgiram para resolver os problemas de replicação de serviços de grandes cadeias de ginásios, que podem oferecer 150 aulas por semana de 45 ou 50 minutos, onde as 50 pessoas presentes numa aula de grupo não se conhecem umas às outras, onde os professores apenas sabem o nome de 10% dos alunos e onde raramente falam com os participantes antes da aula começar e muito menos após a aula terminar.
Actina: – Durante a aula nem pensar porque a música tem mais decibéis do que a de uma discoteca e é mais confortável estar sempre no palco bem elevado, ou junto aos espelhos de traseiro virado para os alunos, ou em cima da sua bicicleta da qual desmontam apenas para mudarem o som, beberem um pouco de água ou para recolher as senhas de comprovam as presenças dos alunos. Já reparei em alguns locais que há alunos a entrarem a meio da aula e a saírem antes desta terminar. E o pior é que abandonam o equipamento sem o arrumar. Outra coisa que não entendo é a forma de marcar a diferença por parte dos ginásios. Parece que vendem sempre o mesmo tipo de aulas…
Miosina: – É verdade. Lanço-te este desafio: escolhe 10 ginásios ao acaso e verifica os seus horários. Vê o tipo de aulas das 6h às 8h às segundas, quartas e sextas. Verifica que nome tem essa aula. Será tosta mista? O produto no ginásio não é fundamental, mas parece que se pretende transformar um ato humano, um serviço num produto.
Actina: – Assim, todos vendem pão com queijo, pão com fiambre, tosta-mista, pingo, galão e café 🙂
Miosina: – E assim procuram marcar a diferença. Todos a vender cárdio e musculação sob vários formatos. Até as máquinas que se adquirem são na sua grande maioria de 4 ou 5 grandes marcas. As que reinam no norte em Portugal são duas marcas Italianas. Nem ai são diferentes. Parte da resposta a estes problemas, a estes desafios de falta de motivação e abandono dos clientes, poderia estar nas instalações, nas máquinas, nos suplementos alimentares, ou até no preço.
Actina: – Bingo! Low-cost! Agora é que vamos encontrar a solução de todos os problemas. Ou será um atalho? Será fechar os olhos à realidade?
Miosina: – O pior é que, com tanta experiencia nas questões ambientais e metodológicas, vamos perdendo a relação entre as pessoas. Pelo caminho vamos queimando mercado, criando uma percepção do exercício em ginásio completamente deturpada daquilo que poderá ser com uma intervenção mais personalizada, mais focada nas necessidades dos clientes que continuam sem autocontrolo, sem método e sem autodisciplina.
Actina: – Então é tudo problema de motivação.
Miosina: – Será? Cada vez mais revistas, mais suplementos milagrosos, mais máquinas com luzinhas, mais exercícios pipi, preços mais baixos, aulas com nomes mais pomposos, professores mais baratos, instalações brutais, bem cheirosas… E os resultados? E a retenção?
Actina: – Já sei! É um problema de formação. Vamos dar formação aos profissionais. De preferência rápida e em torno de um equipamento. O que eles necessitam é de conhecimentos técnicos em torno de um equipamento. Criamos uma aula da moda em torno de um equipamento especial, damos um nome bonito e promovemos com umas miúdas giras. Vai dar resultado!
Miosina: – Nop! Afinal os profissionais necessitam muito mais do que conhecimentos técnicos de como executar um exercício.
Actina: – Se calhar é problema de receitas. Vamos em busca das melhores receitas de séries e repetições, de combinações de movimentos em torno desse magnífico equipamento.
Miosina: – Ai! Também não é por aí. Os professores necessitam saber comunicar, necessitam saber como mudar comportamentos… A didática até dá jeito e há uns professores que por acaso conseguem criar autenticas tribos de alunos. Os profissionais do fitness devem dominar algo de sociologia. Ferramentas práticas de muitas áreas do conhecimento são necessárias para formar um bom profissional e saber fazer não basta.
Actina: – Acho que uma das primeiras coisas que um professor tem de saber fazer, é vender bem o exercício que vai ensinar. Mas espera lá! Se lida com pessoas… Tem de ser líder.
Miosina: – É isso! Lideramos pessoas, gerimos coisas.
Actina: – Pois, mas não se forma um líder apenas com conhecimentos técnicos em torno de um equipamento bonito e revitalizado dos anos 50. Líderes precisam-se! Porque não modelam o comportamento de bons treinadores de outras modalidades?
Miosina: – O professor, o personal trainer é um criador, não é um executante de um programa de pronto a vestir criado numa fábrica.
Sabes, Treinar é sair da zona de conforto. Não basta simplesmente ir ao ginásio e dizer que treinamos duas horas com um equipamento muito bonito. Por isso, o líder de exercício tem de possuir ferramentas de várias áreas e ser um bom comunicador através do seu corpo e das palavras que profere.
Bem, vamos continuar a trabalhar nesse sentido: criar ferramentas para mudar a programação mental dos professores, para mudar os seus comportamentos e consequentemente melhorarem a comunicação com os seus alunos.
Actina: – Ferramentas para criar disciplina nos alunos, temos de descobrir os melhores métodos de treino… Mas, se calhar, já foram descobertos há mais de 60 anos atrás…
Miosina: 🙂 Quem sabe…
Actina: – E descobrir formas eficazes de controlar todo o processo de treino.
Miosina: – Eu acrescento: vamos mudar as representações internas que as pessoas fazem do exercício físico e dos ginásios, mas sobretudo mudar a forma como se movimentam, como respiram, como usam o seu corpo.
Actina: – Eu remato dizendo que: temos de mudar a forma como os professores comunicam consigo próprios e com os seus alunos.
Miosina: – Isso mesmo! Se continuarmos a fazer aquilo que sempre fizemos, iremos continuar a obter os mesmos resultados.
ATP – Malta! Vamos treinar! Continuam a ser as coisas simples, muito bem feitas que nos levam ao êxito. Que tal treinar com intensidade todo o corpo e realizar os melhores exercícios em amplitude total de movimento?