As minhas primeiras experiências numa sala de musculação, datam do meu nono ou décimo ano de escolaridade, por volta de 1985 ou 1986, não posso precisar. Frequentava em a opção de Desporto na Escola Secundária Rodrigues de Freitas (então o maior liceu da Europa com mais de 5 mil alunos), quando um dia, me convenceram que estava a ficar forte com a prática desportiva que fazia nas aulas. Na escola tínhamos uns pesos antigos, feitos com umas barras de ferro e umas latas cheias de cimento que se assemelhavam a uma barra com discos fixos, ou melhor, um instrumento entre a barra com bolas (do circo) e as barras com discos que se encontram em todos os ginásios. Com esse instrumento testávamos a nossa força no final das aulas ou em desafios durante os intervalos das mesmas. Esses desafios levaram-me a passar de 9 flexões de braços no meu nono ano, para 77 flexões consecutivas no final do décimo ano de escolaridade. Um dia, um amigo que andava sempre com revistas de culturismo a impressionar os colegas, convidou-me para ir a um ginásio. Levou-me a um dos poucos ginásios da cidade do Porto e que possuía um ambiente muito restrito. Só podíamos frequentar um dos pisos do ginásio e utilizar determinado tipo de equipamentos. Devo dizer que não foi uma experiência muito motivante para mim, deixando uma imagem muito pobre e agressiva dos ginásios.
O tempo passou e em 1987 por uma deficiência numa apófise de uma vértebra e consequente espondilolistese, tive de ser submetido a uma cirurgia, à qual se seguiu um longo período de recuperação de quase nove meses, associada a uma crise de pensamento, de redefinição de objectivos pessoais que quase me deixaram numa depressão. Antes de ser operado eu jogava Andebol em campeonatos federados, futebol em campeonatos do INATEL com seniores e adorava actividade física. De repente ficava sem nada! Seguiu-se o afastamento dos companheiros que seguiam para a Universidade para fazer curso de Educação Física e fiquei eu agarrado à matemática e à condição de limitado pela coluna vertebral.
Foi então que, após vários meses, por influência de amigos ligados ao culturismo, me recomendaram que me inscrevesse num ginásio perto lá de casa (um dos 6 ou 7 ginásios existentes na cidade). A ideia não me agradava muito pelo receio dos pesos e sua possível má relação com as minhas costas e porque eu não gostava dos físicos dos culturistas. Mas, por outro lado poderia ser uma forma de eu me fortalecer e voltar a jogar futebol e andebol. Então, lá fui no ano de 1988 inscrever-me num ginásio que ainda hoje existe.
Fui bem recebido nesta instalação (o Ginásio Olímpico Martinez) com uma recepção pequena com um balcão branco, um sofá vermelho, umas prateleiras com proteínas e aminoácidos, a respectiva banca de cozinha e a batedora eléctrica. Tinha depois uma sala para artes marciais e aulas de grupo, e na cave, como era e ainda é comum nas grandes cidades: o ginásio de musculação.
Máquinas vermelhas: umas 10 ou 12 e bastantes pesos livres: banco de supino, banco de supino inclinado, banco para press de ombros, estrutura para agachamentos e muitas barras e halteres. As paredes decoradas com culturistas e os frequentadores eram exclusivamente homens. Aquilo ía ser duro!
Inscrevi-me sem o meu Pai saber com uns trocos que tinha agrupado e logo me preparei para um primeiro treino matinal. Começava aqui o gosto pelos treinos matinais de musculação (não sei bem porquê). O dono do ginásio era também a pessoa que fazia os programas. Contei-lhe que tinha sido operado à coluna, e que tinha jogado futebol e andebol e que naquele momento estava liberto pelo médico para fazer de novo actividade física. Lá me foi elaborando o programa que era um papel com imagens e uns quadrados onde ele escrevia a receita de séries e repetições. Essa folha eu viria a utilizar apenas mais uma ou duas vezes porque a rotina era fácil de memorizar. E estava eu lançado no reino da musculação.
Mais tarde comecei a interessar-me pelo assunto da musculação porque os resultados funcionais estavam a aparecer. Fui então em busca de ajuda, em busca de informação. Creio que, a primeira tendência de toda a gente é observar os melhores, os mais fortes, ver como eles fazem e tentar copiar. Ou seja, os tipos mais fortes do ginásio seriam provavelmente os mais conhecedores do assunto. Nada de mais errado. Porque são geneticamente bem dotados e os resultados aparecem com facilidade, porque tomam drogas e suplementos, ou porque têm muito tempo disponível. Mas quando descobrimos isso, é tarde.
Nos anos oitenta, não abundavam as revistas e não era fácil conseguir uma Flex ou uma Muscle & Fitness, cujas fotos eram bonitas, os artigos muito elaborados mas traziam pouca informação directamente aplicável ao treino. Se em 100 páginas tivessem 5, era imenso. Creio que ainda hoje ocorre algo similar.
Assim me perdi por várias metodologias de treino, que após os dois primeiros anos nos quais a evolução funcional é fácil para qualquer praticante, o progresso abranda significativamente. Nessa auto-orientação experimentei treinar ao estilo Arnold com 25 séries por grupo muscular, experimentei treinar de acordo com o campeão de culturismo do momento, experimentei treinos mais curtos e intensos ao estilo Lee Labrada ou Mike Mentzer, experimentei os treinos femininos na ideia de que, tendo as mulheres baixos níveis de testosterona e se conseguiam os resultados melhores do que os de alguns homens, então um treino feminino daria resultados. Mal eu sabia que elas iam buscar a testosterona a outro lado. Esta foi uma descoberta que me fez acordar para outro tipo de metodologias de treino.
Sabendo que as minhas referências de treino: homens grandes e fortes dos ginásios, revistas e livros de campeões estavam inundados de ajudas medicamentosas, fiquei algo desiludido e desanimado. Em cima disso, a minha família tinha ideias erradas acerca da musculação e também não me apoiava nas minhas práticas de levantamento de pesos.
Foi então que dei de caras com uma revista chamada “hardgainer” que trouxe mais uma referência para os meus treinos: os “hardgainers”, aqueles que têm muitas dificuldades em aumentar força e massa muscular. Ou seja, se seguisse os treinos que eles recomendavam, certamente iria melhorar bastante. Ainda por cima eu não era um hardgainer. Não era “easygainer”, mas tinha algum potencial.
Tanto a revista hardgainer como o livro Brawn, revolucionaram a minha forma de pensar a musculação, clarificando algumas dúvidas e confirmando algumas suspeitas, mas acima de tudo, trouxeram de novo um progresso significativo no treino. Os seus métodos solicitavam qualidade na execução técnica, treinar menos vezes por semana, trabalhar todo o corpo na mesma sessão, uma alimentação sem suplementos milagrosos, aumentar cargas como objectivo do treino e ainda por cima tinham por base algumas metodologias de uma era mais pura do levantamento de pesos. Foi de facto, um abanão na forma como estava a ver a musculação naquela época.
Coincide com esta fase o início da minha intervenção mais como monitor de musculação que lutava já com problemas para que os alunos terminassem os programas de treino de 90 minutos que eu lhes programava. Eu já tinha reparado que a maioria dos indivíduos paravam nos 75 minutos. Diziam que tinham de ir embora para casa.
Nesta fase, começo a ensinar musculação utilizando diversas metodologias, mas as mais marcantes são aquelas que eu chamaria: Pesos Livres, a científica, a Nautilus e Arthur Jones e agora um misto das coisas boas de todas essas fases que passei.
Houve um tempo em que só advogava os benefícios dos pesos livres, pois as máquinas que conhecia, não acrescentavam nada aos pesos livres. Passei outro período ao estilo NSCA, no qual, tudo o que não fosse publicação académica, não fazia parte do meu discurso: RMs, percentagens, pliometria, fase de força, fase de hipertrofia, período competitivo, etc. Tornei-me quase fanático por testes até um dia conhecer um homem chamado Jon Cossins, que me ensinou outras estratégias muito mais interessantes do que fazer testes. Esse período coincidiu com a utilização das máquinas Nautilus com as suas cames únicas permitiam de facto alternativas a considerar em relação aos pesos livres.
Acentuei então uma fase intensa de presença em congressos, viagens aos EUA, travei conhecimento pessoal e conversas muito interessantes com pessoas como Wayne Westcott ou Thomas Baechle. Tomei conhecimento com a indústria do fitness, fiquei a saber onde estava e para onde se movia o movimento dos centros de condição física.
De todos os locais e pessoas com quem trabalhei eu aprendi algo, mas algumas experiências eu não gostaria de repetir porque já não tenho paciência para ver as mesmas respostas (aquelas que nunca foram boas soluções) para os problemas de sempre. Desde que me iniciei que toda a gente sabe tudo de fisiologia e anatomia, embora eu continue sem saber porque é que tanta gente desiste de fazer actividade física como já desistiam nos anos oitenta. Uma das razões é certamente essa: os programas de treino e o tipo de acompanhamento dado nas salas de musculação é muito idêntico (pouco ou nada mudou). E a consequência já se sabe: se continuarmos a fazer aquilo que sempre fizemos, é provável que o resultado seja parecido ao que sempre foi. Desde 1988 que ouço falar em: treino para queimar, trabalhar supino inclinado para aumentar o “peito alto” (fui nessa conversa durante 3 anos, mas nada consegui ao experimentar em mim próprio), treino para massa, treino para definição, treino de manutenção, treino para tonificação, treino cardio, treino do tipo “se queres definir trabalha apenas no curso médio com altas repetições”, a resposta parecia estar sempre no treino e que ninguém falasse em genética, pois todos nos tentavam e tentam convencer que se temos a anca mais larga do que os ombros, o treino vai alterar imediatamente essa proporção e se quisermos definir os abdominais, basta fazer uns mil por dia e arrumamos com o assunto. O músculo é feito de proteína e água, por isso come muitos ovos e bebe muito leite se queres ser grande… E muitas outras teorias em que eu já não acredito.
Vejam as minhas reflexões como um filtro pelo qual eu vejo neste momento o mundo da musculação, um filtro formado pela minha cultura pessoal e pela cultura que eu bebi de experiências variadas e muito ricas das lides da musculação e dos ginásios. Podem com estas reflexões, encontrar pontos comuns com as vossas experiências, sentir alguns avisos dos caminhos errados que podem estar a seguir, pensar, reorientar o vosso caminho, saber que nem sempre o fitness foi assim, pensar melhor o futuro e se calhar não necessitarem de tanto tempo quanto eu necessitei para reconhecer que certas práticas não nos levam a lado nenhum. Façam as vossas reflexões, façam o diário da vossa viagem ao mundo dos pesos, do ferro, do treino de força, da musculação ou da mecanoterapia ou como lhe queiram chamar.
Se me tivessem dito quando comecei que a musculação estaria infestada de suplementos, drogas, treinos milagrosos, equipamentos que se mexem sozinhos e transformam o nosso corpo, de vendedores de treinos, eu teria tido mais cuidado e não teria experimentado muitas das coisas que experimentei.
Mas acima de tudo, aquilo que eu mais me arrependo é de não ter mantido melhores diários de treino e de experiências como profissional da musculação. No entanto, considerando o estado em que as coisas se encontram, se começar agora ainda irei reunir muitas informações interessantes.
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